EDITORIAL |
A longa marcha
da Europa
Europeísmo,
se representou e se até agora constitui na história italiana contemporânea um motivo
central de orientação, foi também a linha discriminatória de uma política não
efêmera da Itália democrática.
Parlamentarmente
a primeira oposição à participação italiana a iniciativas européias a tivemos em
sede de ratificação do Conselho da Europa em 1949.
O
estatuto aprovado entre os dez países deixava para cada governo fixar os procedimentos
para a nomeação dos representantes dos Estados na Assembléia consultiva. E o governo
italiano propôs, para os dezoito a serem enviados, eleger sete e sete das duas Câmaras
com maioria absoluta, deixando os outros quatro ao Conselho dos Ministros.
O europeísmo, se representou e se até agora constitui na história italiana contemporânea um motivo central de orientação, foi também a linha discriminatória de uma política não efêmera da Itália democrática |
O
debate foi acérrimo, iniciado com um duro discurso de Palmiro Togliatti que reivindicava
uma cota para as oposições. A objeção do governo era de que não se podia fazer parte
dos órgãos de uma instituição, enquanto se votava no Parlamento contra o nascimento da
mesma. Disso decidiu-se a cláusula da maioria absoluta, que foi aprovada com uma só
variação, isto é, de que todos os dezoito enviados fossem votados pela Câmara.
Alguns
relevos foram, na verdade, pouco consistentes, como a tese do relator do Senado, Gerini,
que, excluindo corretamente que se tratasse de uma representação do Parlamento,
sustentou porém que os dezoito eleitos: "Agiam em nome próprio e com
responsabilidades próprias". "Trata-se", disse, "de cidadãos
idealmente separados de qualquer particular entidade estatal, chamados para desenvolver
uma atividade consultiva para fins deliberados pelos órgãos competentes dos vários
Estados e responsáveis diante da própria consciência e da opinião pública das
nações interessadas".
De
natureza substancial foram as críticas do socialista Lelio Basso que repreendia o
Ministro das Relações Exteriores, Carlo Sforza por ter apresentado o Conselho como o
nascimento de uma verdadeira e própria unidade européia. Enquanto que o senador
Francesco Saverio Nitti (presidente do Conselho no período que precedeu o fascismo)
destruiu pela raiz qualquer possibilidade de entendimento com um trocadilho de palavras
entre o Conselho da Europa e a nossa presunção de dar conselhos à Europa. Mas no ápice
do seu ceticismo declarou-se tranqüilo mesmo se a ratificação passasse porque "os
italianos têm uma grande sorte; sabem não aplicar a lei". E reforçou a dose
insistindo: "A nossa característica, como italianos, o nosso erro, mas também a
nossa força é que nós não aplicamos a lei, mas não a ab-rogamos". Cito i isso
como sintoma da dificuldade que muitos homens com ilustre passado pré-fascista -
certamente não todos - tinham ao dar-se conta da superação dos âmbitos nacionais como
elemento de construção de um futuro de paz e de progresso.
Infelizmente
a guerra fria impedia às forças de esquerda o comportamento que teria sido também
culturalmente apropriado aos interesses representados por eles.
Foi de
1951 um passo dado adiante na integração continental, com a criação da Comunidade do
Carvão e do Aço. Sem tirar algum valor aos indubitáveis conteúdos técnico-produtivos
no delicado setor, era de grande e creio prevalente relevo começar a dar vida a uma
realidade política comum entre os povos europeus, dotando-a de idôneas instituições,
entre as quais uma assembléia parlamentar representativa.
Londres, 1949. Os delegados dos vários países europeus participam da Conferência Econômica Européia, organizada pelo Movimento Europeu |
Na
incomunicabilidade global foi talvez inevitável a hostilidade ao segundo passo adiante,
isto é, à Comunidade Econômica de Defesa, obstada e também julgada como apêndice do
Pacto Atlântico, lá onde nascia - a parte o valor de salvaguarda democrática de uma
mais do que legítima retomada da Alemanha - exatamente da vontade de dar uma específica
contribuição do ocidente europeu à comum defesa interatlântica. Assinado em 1951, o
Tratado CED, foi posto de lado na Itália por uma daquelas cíclicas estações de crise
que, depois da queda do governo De Gasperi em julho de 1953, impediu ao novo presidente do
Conselho Giuseppe Pella mesmo a simples apresentação do desenho de lei de ratificação
e não consentiu, logo depois, ao ministro Mario Scelba a solicitação do debate.
De
Gasperi fez disso uma angústia que o atormentou nos últimos dias de vida. Aos que o
faziam observar que a França de Mendès France teria recusado o entendimento estipulado
por Robert Schuman, respondia que um tempestivo voto do parlamento italiano poderia
oferecer um extremo apoio àqueles que no Palácio Bourbon lutavam pela ratificação. A
Assembléia Nacional de Paris torpedeou a CED poucos dias depois da morte do presidente De
Gasperi. Ao menos esta confirmação oficial foi-lhe evitada.
Um fio
lógico-político muito forte liga a CED aos Tratados de 1957, mas a literatura relativa
é rica de negações a propósito. E se explica. Quem começou finalmente a convencer-se,
depois de anos de contraste, da positividade do desenvolvimento comunitário, tinha
necessidade de justificar a própria recusa precedente. Isso vale para os socialistas, que
sobre os Tratados de Roma se abstiveram; e ainda mais para os comunistas, que votaram
contra, depois de duras intervenções e previsões catastróficas. Foi preciso esperar o
final dos anos Sessenta para constatar o início de uma mudança de rota.
Talvez
deva ser dito que não tinha contribuído a solicitar a aproximação das esquerdas a
extensão à Assembléia da CEE do método de eleição parlamentar dos representantes
italianos no Conselho da Europa e na Comunidade do Carvão e do Aço. Salvos os aspectos
jurídicos, muitos de nós sentíamos a fraqueza política que esta hostilidade
comportava. Análogo embaraço vivemos ao afrontar nossos compromissos internacionais no
campo da OTAN. Que segurança oferecia a Itália, com uma oposição específica tão
ampla, caso a União Soviética tivesse desencadeado um conflito? Nesta ótica deve ser
interpretado o trabalho de alguns de nós (naquele período eu era chefe do grupo de
Democratas Cristãos na Câmara dos Deputados) para alargar a todo o Parlamento o projeto
europeu. Para a exatidão de crônica, devo dizer que a estimular à mudança serviu
também - além do exemplo da Alemanha, da Holanda e da Bélgica que adotavam o sistema
eleitoral proporcional - o bloqueio da renovação da delegação italiana, que fora
criado depois da perda da maioria absoluta por parte da Democracia Cristã e dos partidos
aliados; com o resultado que continuavam a ir na Assembléia européia também
ex-deputados e ex-senadores italianos. Puderam assim pela primeira vez, dia 21 de janeiro
de 1969, tornar-se deputados europeus também os representantes do Partido Comunista,
Nilde Iotti e Giorgio Amendola.
Problemas
análogos surgiram tanto na França como na Inglaterra. Na França, no início da CEE, os
comunistas tinham se recusado a participar de "uma pretenciosa assembléia" como
foi definida por Maurice Thorez. Mudaram de idéia em 1964, mas tiveram que esperar até
1972-73 quando os socialista ameaçaram boicotar Strasbourg se não fossem enviados
também os comunistas. Então foram eleitos três deputados e um senador.
Infelizmente a guerra fria impedia às forças de esquerda o comportamento que teria sido também culturalmente apropriado aos interesses representados por eles |
Também
os trabalhistas ingleses tinham desertado Strasbourg como sinal de não aceitação do
Tratado assinado pelo conservador Edward Heath. Foram em julho de 1975 depois da
renegociação estipulada pelo governo de Harold Wilson, aprovada com uma forte maioria no
referendo popular.
Só
então o Parlamento europeu teve uma efetiva representatividade geral. A partir de 1979 os
parlamentares europeus foram eleitos por sufrágio universal direto.
Nem se
pode esquecer a longa marcha para fazer com que toda a esquerda chegasse à aceitação da
política exterior de respiro europeu e atlântico.
Sem
precisas garantias a propósito, mesmo sob o impulso de trágicas situações financeiras
e pela segurança interna, não se teriam os acordos de 1976 que passaram sob o sinal da
"solidariedade nacional". O documento do ano seguinte, assinado e votado nas
duas Câmaras também pelos comunistas, consagrou oficialmente que o Pacto Atlântico e a
Comunidade Européia constituem pontos de referência fundamentais da política exterior
da Itália. Os socialistas tinham antecipado isso em coincidência com o lento abandono da
oposição.
Não se
deve esquecer, porém - na interpretação de 1977 - que durante este período tinha
intervindo o acordo de Helsinque para a segurança e a cooperação, subscrito por todos
os países europeus - com exceção da Albânia - junto com os Estados Unidos da América
e o Canadá. Os cépticos objetavam que era ilusão acreditar nestas linhas, enquanto a
URSS continuava a proclamar a soberania limitada dos seus aliados. Foi pontual a resposta
de Aldo Moro, que assinou em Helsinque também como presidente de turno da comunidade:
"Breznev passará, mas o compromisso com a cooperação restará e dará os seus
frutos".
Paris, 18 de abril de 1951. Nasce a Comunidade Européia do Carvão e do Aço. Assinam o tratado que a institui (da esquerda na foto), pela Bélgica, Paul Van Zeeland; por Luxemburgo, Joseph Bech; pela Itália, Carlo Sforza; pela França, Robert Schuman; pela Alemanha Federal, Dirk Stikker e pela Holanda, Johannes Van Den Brink |
A
tornar mais difícil o caminho de muitos italianos para a Europa contribuiu também a
prevalência dada aos problemas internos - diria antes, de coalizão partidária interna -
não dando atenção à linha-guia de De Gasperi segundo o qual é a política interna que
deve equiparar-se à externa e não vice-versa.
Um
momento típico desta errada tendência tivemos exatamente em 1957 e não por culpa da
oposição. Poucas semanas depois da assinatura, no Campidólio, dos Tratados de Roma -
apresentados imediatamente ao Parlamento para a ratificação - o governo
quadripartidário presidido por Antonio Segni entrou em crise, e foi substituído pelo
unicolor democrata-cristão Adone Zoli. Assim, por razões de coalizão entre os partidos
da maioria, quem ilustrou e defendeu os textos nas Câmaras não foi o ministro das
Relações Exteriores Gaetano Martino, que foi o grande artesão destes acordos,
estruturados exatamente segundo o modelo elaborado no célebre encontro de Messina em
julho de 1955. Todavia resta aos atos da Câmara um documentado discurso que o deputado
Gaetano Martino pronunciou reivindicando legitimamente a sua parte na histórica
realização. Não é preciso testemunhos, mas tendo sido Ministro das Finanças em todo
aquele período conheço não só as atualizações que passo a passo o Ministro do
Exterior expunha ao Conselho, mas também o personalíssimo cuidado com que seguia o
trabalho do grupo de preparação em perfeita sintonia com o colega belga Paul Henry
Spaak.
A
intrínseca força das coisas justas e dos valores ideais teria atenuado e evitado todas
as objeções iniciais aos Acordos de Roma. Até hoje fala-se de europessimismo. Mas é um
fato que os seis países tornaram-se gradualmente quinze e muitos outros ambicionam com
decisão vir a fazer parte. Mas há mais ainda. Através de duas etapas significativas -
Ato Único de Luxemburgo e o Tratado de Maastrich, integrado aos Acordos de Amesterdã - a
Comunidade tornou-se União e, em substância, fizeram-se notáveis passos adiante em
campos que no começo eram pouco participados. Pensamos nos problemas sociais e na
sensibilização das estruturas regionais destinadas, de várias maneiras, a evitar que a
União fosse um cartel de capitais centralizadas.
A tornar mais difícil o caminho de muitos italianos para a Europa contribuiu também a prevalência dada aos problemas internos - diria antes, de coalizão partidária interna - não dando atenção à linha-guia de De Gasperi segundo o qual é a política interna que deve equiparar-se à externa e não vice-versa |
Não
é inútil sublinhar que tanto o Ato Único de Luxemburgo como o Tratado de Maastrich são
conseqüências diretas de acordos amadurecidos em dois Conselhos europeus realizados na
Itália, o primeiro em Milão e o outro em Roma.
No
debate sobre a ratificação inicial em 1957 o deputado socialista Riccardo Lombardi
criticou, num certo sentido paradoxalmente, o Tratado porque os tempos de plena atuação
lhe pareciam excessivamente diluídos. O relativo desenvolvimento certamente pode-se ver
segundo uma ótica contraposta: por um lado há a confirmação da positividade de uma
inversão de históricas posições conflituais para construir um edifício comum ao qual
a Itália conferiu parte da sua soberania, segundo o que foi sabiamente previsto no art.
11 da Constituição da República. Há vice-versa quem se lamenta de persistentes
espaços de individualismos estatais que freiam o desenho de integração, mesmo se a
perspectiva, já próxima, da moeda única removerá uma parte notável destes ainda que
nobres sofrimentos. Uma parte. Porque se é impróprio falar de "entrar na
Europa" porque somos e permanecemos sócios fundadores, é também verdade que não
poucos objetivos essenciais, principalmente entre os de Maastrich, devem ainda ser
alcançados e que sob um perfil institucional as últimas decisões de Amsterdã
provocaram desilusões. Refiro-me em particular ao objetivo de "afirmar a identidade
da União Européia no cenário internacional, marcadamente mediante a atuação de uma
política exterior e de segurança comum". Infelizmente os acontecimentos dos
Bálcãs e certas polêmicas sobre o Conselho de Segurança da ONU contrastam com este
claro propósito, ulteriormente especificado na "coerência global no âmbito de
políticas em matéria de relações externas, de segurança, de economia e de
desenvolvimento".
Num
ponto hoje concentram-se as esperanças em particular dos jovens: a reestruturação e a
diversificação das estruturas econômicas de modo que possa conciliar progresso técnico
e respostas à procura ansiosa de ocupação. A União Européia reconheceu - depois de
passadas hesitações de alguns países - que é problema comunitário e que de outra
forma a cidadania européia seria expressão vã e retórica.
Todavia
a Europa não pode não reconhecer - no seu conjunto - que está em uma condição
privilegiada quanto à disponibilidade de recursos respeito a uma parte muito grande da
família humana.
E aqui,
concluindo, quero lembrar um aspecto característico e inovador da ação comunitária que
nem sempre se dá a devida atenção. Refiro-me à grande rede de coligação econômica e
política com os países do chamado Terceiro Mundo, instaurada pela CEE, primeiro com as
relações de livre comércio com os dezoito Estados extra-europeus que tinham com os
países do Tratado de Roma relações especiais e que estavam conquistando a
independência, e logo depois com as Convenções ditas ACP (África, Caribe, Pacífico)
com as quais iniciou o entrelaçamento de apoio ao desenvolvimento que, depois da entrada
da Inglaterra, estendeu-se a todas as áreas análogas do Commonwealth e também em outras
direções, com uma reordenação geral que se concretizou dia 28 de fevereiro de 1975 com
a Convenção de Lomé.
Talvez,
aliás, sem dúvida, o dado quantitativo da ajuda não é excepcional. Mas o significado
é inequívoco. Devemos realizar no interior da União uma maior justiça de
equiparação, mas ao mesmo tempo não fujamos ao imperativo de uma solidariedade mais
ampla, sem confins continentais, que comporta também sacrifícios. Algumas vezes é
necessário - como indivíduos e coletivamente - olhar não só os que estão melhor para
procurar alcançá-los ou ao menos diminuir o desnível, mas os que - famílias e inteiras
populações - se debatem em condições literalmente desumanas.
Nesta
consciência e nos conseqüentes comportamentos se caracteriza, eu creio, a civilização
européia.