EDITORIAL |
Sobre a Jornada
Missionária
Por
causa de uma minha crítica favorável ao filme feito para a televisão italiana, A
missão, tive de constatar algumas significativas reservas, contestando-se especificamente
a validade de três pontos que considerei positivos:
1) a
escolha de um tema que coloca às claras, diante do grande público, a realidade do mundo
missionário;
2) o
convite para que seja considerado aberto, ainda hoje, o problema trágico de
Ruanda-Burundi, sobre o qual a opinião pública se concentra por alguns momentos quando
os mortos são muitos, virando logo depois a página com desconcertante desenvoltura;
3) as
confutações de uma pressuposta valência das minas antipessoal, das quais círculos
interessados tentam cancelar a intrínseca perfídia, sustentando que serviriam para frear
invasões inimigas nos confins, enquanto que no filme se denuncia o dramático emprego das
mesmas no decorrer da guerra civil.
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Volto
ao assunto para fazer algumas considerações que considero úteis.
É
errado supor que todos conheçam as dimensões, a história, os sacrifícios dos
missionários. Posso apresentar como exemplo emblemático um episódio que remonta a 15
anos atrás mais ou menos. Um ministro (pessoalmente acadêmico de grande valor) que fora
à Africa por razões de trabalho, veio expressar para mim o seu estupor por ter
encontrado num leprosário um grupo de jovens irmãs italianas, que estavam ali há
tempos, prestando alegremente um serviço que do ponto de vista humano não é por nada
atraente. Quando lhe falei sobre a rede de congregações masculinas e femininas que está
presente em todo o mundo, com um imponente número de escolas e hospitais, acenando
também à coroa de mártires que banha até nossos dias estes maravilhosos campos de
trabalho, reagia com um crescente e impressionado interesse e maravilha.
Pensei
necessariamente no âmbito limitado em que se desenvolve toda a propaganda para a Jornada
Missionária, com anexos e conexos. Talvez, enquanto os meios de informações
ampliaram-se vertiginosamente, no que se refere às missões houvesse mais ocasiões de
chamada meio século atrás do que hoje. Lembro eu mesmo que em muitos bares e outros
locais públicos havia pequenos cofrinhos com o boneco negrinho que movia a cabeça
agradecendo os que colocavam seu dinheirinho.
Pode-se
dizer mais ainda. Existem muitas revistas missionárias que são, entre outras coisas, uma
preciosa e tempestiva mina de notícias sobre situações globais dos povos considerados
em desenvolvimento (como fariam bem em lê-las também as Chancelarias e os centros de
orientação!), mas as tiragens não são altas e o círculo de assinantes entra,
geralmente, sempre na esfera que - sem qualquer significado político - definimos
"nossa".
Por
conexão de matéria expresso - agora por então - o meu pessoal reconhecimento para com a
Liga Missionária de Estudantes que nos anos de colégio me introduziram nas
problemáticas das terras de missão, dando também a cada um de nós jovens a tarefa de
aprofundar áreas particulares e discuti-las nas reuniões. Alguns anos depois para
entender o que estava acontecendo no Vietnã, foi-me de grande utilidade o pequeno
relatório sobre a Indochina que elaborei em 1936. E o que dizer de uma perfeita análise
das missões na Índia feita no mesmo período pelo professor Enrico Medi no Congresso da
Liga no Colégio de "Villa Mondragone"? Relendo-a, podem-se encontrar também
previsões exatas das mudanças que estavam sendo amadurecidas naquelas terras e que
depois foram pontualmente realizadas.
Por causa de uma minha crítica favorável ao filme feito para a televisão italiana, A missão tive de constatar algumas significativas reservas, contestando-se especificamente a validade de três pontos que considerei positivos: 1) a escolha de um tema que coloca às claras diante do grande público a realidade do mundo missionário;... |
Portanto, devem ser bem vindos documentários e filmes, que aumentam o conhecimento sobre o mundo das missões. Depois, se o ator Michele Placido não represente perfeitamente o "missionário típico" e use também expressões não exatamente sacerdotais, parece-me irrelevante. A imagem global das missões, em dois capítulos na televisão - com uma ótima apresentação também dos voluntários - certamente foi positiva.
... 2) o convite para que seja considerado aberto, ainda hoje, o problema trágico de Ruanda-Burundi, sobre o qual a opinião pública se concentra por alguns momentos quando os mortos são muitos, virando logo depois a página com desconcertante desenvoltura;... |
Ajuda
talvez notar que a psicologia do missionário não coincide com a dos que vivem num país
ocidental. A custosa organização administrativa das ajudas estatais ao desenvolvimento
é freqüentemente objeto de comentários muito duros. E isso se explica. Na periferia de
Manila, uma vez, visitei um bairro onde os missionários, distribuindo pequenas
quantidades de dinheiro para adquirir cimento e tijolos, permitiam a todas as famílias a
possibilidade de construir habitações estáveis e de propriedade própria. O padre
salesiano que nos guiava disse que com os mecanismos públicos os gastos seriam 30 vezes
mais altos.
Não
faltam nos artigos de missionários (e também em alguns livros de memória, como o
recente livro do padre Giovanni Tebaldi, Africa: i giorni dell'esodo), notas de amargura e
desilusão pelo exíguo, e até mesmo inexistente, progresso das populações que, com a
conclusão do período colonial, teriam visto até mesmo piorar os dilaceramentos tribais.
Todavia
seria uma visão errônea a dos que quisessem atribuir isso a um sentido de resignação
ou de falência. Exatamente no texto citado acima de padre Tebaldi há uma descrição
muito impressionante sobre a contribuição das escolas católicas à ruptura da
invencibilidade do analfabetismo não apenas gramatical do continente negro.
... 3) as confutações de uma pressuposta valência das minas antipessoal, das quais círculos interessados tentam cancelar a intrínseca perfídia, sustentando que serviriam para frear invasões inimigas nos confins, enquanto no filme se denuncia o dramático emprego das mesmas no decorrer da guerra civil |
Mas
é obrigatório, ao lado dos missionários, lembrar-se também da obra do clero local
(não uso o adjetivo indígena porque soa mal). A propósito faço questão de mencionar o
que ouvi do primeiro-ministro do Zaire, Adoula, que encontrei na dolorosa ocasião do
massacre dos aviadores italianos em Kindu. Disse que amava profundamente a Igreja
Católica porque lhe tinha dado confiança sobre a capacidade intelectual do povo
congolês. Enquanto o governo belga bloqueava a freqüência escolar no 1º grau, os seus
coetâneos que entraram no seminário tinham prosseguido os estudos, tornando-se
sacerdotes e até mesmo bispos.
Mas há
um terreno em particular no qual missionários e os católicos locais deram na África e
em todos os lugares uma forte contribuição: a promoção social; provocando não
raramente a dura reação dos satisfeitos proprietários. No último número de Popoli -
revista missionária dos jesuítas italianos - li uma matéria importante sobre a marcha
pelas ruas de Nova Délhi de 100 jovens líderes católicos indianos que exclamavam:
"queremos segurança". E é apenas um dos mil e mil exemplos citados.
Da
própria Índia e de outros não poucos países então terra de missões, sacerdotes e
religiosas hoje vêm prestar a sua obra nas "velhas" nações ocidentais,
suprindo a escassez de vocações. E não impropriamente se fala de evangelização
também para os nossos países.