Que erro aquela
Frente Popular

 

Para o presidente do Partido Refundação Comunista, que viveu as eleições do outro lado da barricada, entre os motivos da derrota estava a própria idéia de uma Frente Popular. E sobre a divisão do mundo em dois blocos explica que o projeto não partiu de Moscou

 

Armando Cossutta

 

Armando Cossutta num comício eleitoral de 1948

     O ano de 1948 é marcado por muitos eventos, dos quais derivaram conseqüências importantes para os acontecimentos políticos de uma inteira fase da nossa história. São conhecidos os eventos internacionais que, na verdade, encontram a sua elaboração no ano precedente, 1947, ano de articulações, ou melhor de ruptura com a precedente fase caracterizada pelo acordo entre as grandes potências anti-fascistas na guerra contra Hitler e Mussolini. O acordo, já precário durante vários momentos da própria guerra mundial, especialmente depois da morte de Roosevelt que soubera reorganizar em Yalta, e antes e depois de Yalta, com aguda previdência, as rupturas entre Churchill e Stálin, rompe-se definitivamente com discurso do líder britânico em Fulton, quando com uma eficaz - embora dolorosa - configuração plástica ele falou de uma "cortina de ferro" que daquele momento teria dividido a Europa de Stettino a Trieste.
     Mesmo assim, os principais expoentes da esquerda italiana não acreditam nesta separação, nesta ruptura (ou não querem acreditar); porém não os dirigentes do PCI. Com efeito, em 1947, logo depois da viagem de De Gasperi a Washington, comunistas e socialistas são expulsos do governo de que faziam parte desde 1944 (os socialistas não ininterruptamente). Mas àquela expulsão, até mesmo brutal e objetivamente não motivada, não se reage.
     Na época, eu era um jovem de 20 anos, secretário do PCI em Sesto San Giovanni (18 mil inscritos no Partido, esmagadora maioria eleitoral); recebi pessoalmente as impressões daqueles acontecimentos: não houve nem mesmo uma greve, nem protesto - nem grande nem modesto - contra a expulsão que teria dado início a uma total discriminação anti-comunista por um longo período. Por quê? Por que não teve nenhuma séria oposição, mesmo na presença de uma vigorosa e incisiva capacidade de ação das esquerdas na vida política, sindical, cultural do país?
     Perguntei-me muitas vezes sobre isso. Posso dizer que Togliatti não quis. Certamente, pois queria evitar uma perigosa separação com a DC no momento em que se estava para concluir o trabalho unitário da Constituinte que teria promulgado dia 1º de janeiro de 1948 o histórico texto constitucional, com as três assinaturas que por si mesmas eram expressões do entendimento democrático entre os principais componentes ideais e políticos de uma inteira época: o liberal De Nicola, o católico De Gasperi, o comunista Terracini. Mas talvez ele não quis também porque considerava que a divisão teria se recomposto e que, a curto prazo, os três "partidos de massa" (como se dizia então dos democratas-cristãos, comunistas e socialistas) teriam voltado a governar juntos. E talvez esta era a nível mundial também a opinião de Stálin que demonstrava não aceitar como definitiva a nova situação e considerava ainda possível a retomada da colaboração entre os Estados vencedores da guerra. Porém, ao contrário, tinha começado a nova guerra, a chamada guerra fria. Foi um grave erro, creio, de subestimação. Assim como, voltando à Itália, se subestimou a gravidade da cisão no partido socialista, feita por Saragat para dar origem a uma formação social-democrática claramente contraposta aos comunistas.
     Chegou-se às eleições políticas do dia 18 de abril de 1948 com as esquerdas não preparadas para o confronto, convictas de um sucesso que estava fora da realidade. A própria formação da Frente Popular foi um erro, porque tornava objetivamente mais difícil uma ação distinta (não separada, muito menos contraposta) dos socialistas, da qual vice-versa havia necessidade tanto para contrastar a recente cisão de Saragat como para tentar obter adesões de algumas facções do mundo católico, cegado pelo anti-comunismo, mas não completamente disposto a seguir uma política anti-operária.
     A campanha eleitoral, de fato, foi uma obra-prima da propaganda anti-comunista: lembro-me dos cartazes da DC, por uma lado aterrorizadores respeito ao perigo da vitória dos comunistas (eles não só teriam levado à ditadura, suprimindo as liberdades democráticas, mas teriam retirado a casa, os animais e a terra e teriam até mesmo colocado em comum as mulheres), e por outro lado persuasivos com relação às perspectivas pintadas de rosa no caso da própria vitória. E lembro-me da intervenção maciça da Igreja, por parte de cada paróquia e de cada convento, sobre o território e por parte das máximas autoridades eclesiásticas que chegaram a proclamar, com o Papa Pio XII, a excomunhão para os comunistas e os amigos dos comunistas. Conservei um manifesto que dizia textualmente assim: "A EXCOMUNHÃO AOS COMUNISTAS. 1. Não é lícito inscrever-se nos partidos comunistas ou dar-lhes apoio. 2. Não é lícito publicar, difundir ou ler livros, revistas, jornais ou panfletos que apóiem a doutrina ou a práxis do comunismo, ou colaborar neles com algum escrito. 3. Não são admitidos aos sacramentos os fiéis que cumprem consciente e livremente os atos citados acima. 4. São excomungados como apóstatas os fiéis, que professam a doutrina do comunismo materialista e anti-cristão, e principalmente os que a defendem e são delas propagadores".
     Famoso e infelizmente eficaz foi o slogan do jornalista Giovanni Guareschi, propagandeado de modo obsessivo em toda a Itália: "No segredo da cabina eleitoral Deus vê, Stálin não". Menos visível, mas respeitadíssima e muito condicionadora foi a intervenção estrangeira: lembro-me das promessas americanas acerca das ajudas econômicas e alimentares e, contemporaneamente a sua grave ameaça com seus navios rondando os nossos mares. Uma intervenção estrangeira inadmissível: naqueles anos foi lançada não por um comunista, mas por um antigo liberal, Vittorio Emanuele Orlando, na Assembléia de Montecitório, com a tirada ofensiva contra o governo acusado de "cobiça de servilismo".
     Os acontecimentos internacionais foram utilizados para acentuar as necessidades desta presença estrangeira diante das pressupostas ameaças de invasão da União Soviética, que tinha ocupado os países do centro da Europa e provocado a crise na Tchecoslováquia com a remoção do governo democrático e que tinha constituído o Cominform. Mas agora podemos dizer com certeza que a ameaça de uma intervenção soviética na Itália sempre foi completamente infundada. A URSS não queria e nem podia intervir no nosso país, assim como não interviera na Grécia, apesar do levantamento e da guerra civil, guiados pelo comunista Marcos, pois este país estava sob a proteção anglo-americana. A Itália estava sob a proteção da única potência atômica da época, os Estados Unidos. E que para a Itália a URSS não tivesse qualquer plano de invasão foi provado entre outras coisas pelo bem conhecido encontro em Moscou entre Pietro Secchia, então vice-secretário do PCI, e o próprio Stálin que o recebeu junto com Molotov e Beria. Secchia conta que ao perguntar sobre a possibilidade de uma intervenção ou de ajuda soviética no caso se chegasse na Itália a uma fase de tipo pré-revolucionário, Stálin respondeu três vezes com o movimento negativo do dedo indicador, acompanhado por três vezes de um seco "niet". Por outro lado, eu mesmo ouvi de um dos altos expoentes da DC, Taviani, que disse (mas muitos anos depois!) na aula do Senado ter sido um erro concentrar todo o aparato defensivo militar italiano no Nordeste do país, prevendo uma ameaça de invasão soviética que vice-versa era inconsistente, aliás, inexistentes. E Taviani falava então como Ministro da Defesa.
     Havia um grande temor, em vários níveis, de uma eventual vitória da Frente Popular, isto é, dos "social-comunistas" (como eram então chamados com um só nome os comunistas e os socialistas), mas havia também uma grande esperança naquela vitória por parte de grandes e fortes massas populares. Para eles a desilusão depois da derrota do dia 18 de abril foi enorme. Disso derivou uma frustração dilacerante, intensa, e da mesma forma intensa vontade de revanche. Explica-se também assim a força impetuosa do movimento de luta que se determinou poucos meses depois, dia 14 de julho, para o atentado a Palmiro Togliatti: um movimento de grandes proporções, uma greve que paralisou o país que teve as cidades invadidas por protestos e manifestações imponentes. Sobre este propósito lembro-me da frase com o qual o brilhante dirigente dos comunista milaneses, Giuseppe Alberganti, comentou de forma decisiva na Praça da Catedral, diante de uma grandiosa massa de trabalhadores, o valor daquelas duas datas: "Dia 18 de abril nos quantificamos e dia 14 de julho nos pesamos". Poucos anos depois, nas eleições de 7 de junho de 1953, as esquerdas derrotaram a DC sobre a lei da fraude e Alcide De Gasperi foi obrigado a retirar-se.